quinta-feira, 8 de maio de 2014

DISTIMIA

     Quando tudo começa é só a dor, depois vem a paranóia, de agora em diante sei que não estou bem.
     A mente viaja por caminhos desconhecidos, tudo em volta parece irreal, as pessoas são projeções de um mundo físico inexistente dentro do universo onde me encontro agora. Me imagino no útero de minha mãe, como queria estar lá no aconchego da água quente que me cercava, da maciez dos órgãos que me protegiam mesmo que a sua mente intranquila me quisesse estirpar de seu corpo um mal.
     O que sou hoje se não o seu câncer exposto ao mundo!? O auto-retrato de alguém que nunca fora em sua vida em proporção e gênero maior do que imaginaría produzir.
     O que gira em torno do meu eu que não se iguala a mim porque não estou lá, não fisicamente, este corpo em que habito não é meu, a mente que vomita tais palavras não se sente a vontade neste invólucro frio, rígido e dolorido que aprisiona como algo que lhe indefine e não lhe deixa expor a beleza do que és...luz.
     Como contar as voltas que dei no labirinto do qual me vi aprisionada a vida que se diz ser o resultado de tudo que já vivi, como pode se o que vivi é muito mais do que se transpõem as linhas da expressão deste corpo, infeliz, que não ocupa mais do que uma vírgula no espaço espérico do mundo que gira devagar demais para me acompanhar.
     Não sei mais sair do labirinto. Quando era criança brincava com ele. Nele me econdia e fazia sonhos, criava mundos, contava histórias. Quando foram secando minhas folhas me tornei velho, meus galhos se partiram e dentro do meu tronco só havia dor. Vi que deixei sementes pelo caminho e algumas germinaram, deixarei nos campos mais altos as melhores sementes que puder produzir, meus filhos.
     Como é escuro aqui dentro, e frio, é quieto e insâno também. Tenho medo de não voltar mais. Não há quem tenha a chave das portas que chegam até mim, por diversos momentos quis dar-lhes mas ninguém me ouviu. Disseram de mim coisas terríveis, que tudo não passava de coisas de criança os tais monstros que dormiam embaixo de minha cama, não me deixavam pregar os olhos a noite, me ameaçavam com facas e machados, cortariam meus pés, minhas mãos e minhas orelhas se eu os deixasse, cobria-me o corpo com aço forjado, abria apenas uma janela para os meus olhos.
     Quando de dia ouvia aquelas vozes que me assombravam a mente, diziam fuja, corra, se esconda, suma, grite, eu nunca consegui, pensava que era importante por estar ali mas ali também tinha problemas como lá, como tenho até hoje aqui, acerdito que são os mesmos problemas pois estão em todo lugar.
    O doce do meu corpo se foi, sugaram-no os monstros com quem covivi e depois que cresci. De fato por todo a vida desde quando me surgiram os pequenos botões de flor. Sua cor, seu perfume, seu formato, tudo atraía os monstros que em volta ficavam como abelhas.
     Aprendi a ser aparecida, aprendi com o tempo a hora de me mostrare, a água que me regava tornou-se venenosa e o meu néctar só serviria agora para atrair porque depois da prova o gosto amargo que deixo nos lábios os fazem partir.
     Um dia encontrei um guardador. Como não havia mais como ser viajante ele me escolheu. Criou em volta de mim cercas e depois muros. Coroou-me com as estrelas como se eu já não as tivesse, cuidou de minhas raízes para que eu não tombasse, por vezes ameacei cair, creio que foram os sais que me jogaram a fim de espantar as lesmas que passearam por mim. Me sinto tão só porque nem mesmo ele sabe em qual torre me escondo. Hora estou no alto a ver o céu e as gaivotas, hora estou nos túneis que construí abaixo do solo para acomodar junto a lama do rio que alimenta a cisterna que rega o meu lugar.
     Meus olhos hoje não vêem a luz, não sei onde ela esta. Hoje entrei novamente no quarto da tortura, onde me encontro quando o mundo não me parece real, me amarro as amarras das paredes, me enrosco nas correntes e fecho com a boca os cadeados que ali instalei, acredito que faça tudo isso para poder gritar sem que me ouçam. Como aí ninguém nunca me ouviu, cá também ninguém me ouvirá.
     Temo pela minha vida porque morta eu já estou, temo pela parte sóbria que ainda luta com o restante morto e me carrega pra onde vou.
    Queria ver meu rosto de novo, não sei mais como sou, sinto só o vento, o cheiro das coisas e tem máquinas que fazem ver a minh aalma mas não a mim porque só o mundo e suas projeções das coisas, cores e formas de gente, de bicho, de chão, não são como eu era nem serão como sou.
     Será que algum dia eu vou voltar? Será que algum dia eu vou acordar? Será que algum dia eu estarei aqui e não lá?
    De tão rápida e momentânea a transição dos mundos sinto que é tênue a linha que os separa, que de um pulo se fecha atrás de minhas costas um mundo e lá está a minha frente o labirinto a me perder. Não tenho mais os sinais para seguir em frente ou voltar atrás, não ouço mais as vozes mas também não ouço os gatilhos que me faziam retornar. Perdi a sanidade de vez ou me tornei sã agora? Se Ele estiver me olhando só Ele sabe!
     Pronto, não posso mais falar, neste corpo limitado, as engrenagens que utilizo não funcionam como penso, não se comportam como eu preciso, só há dor agora, só existe esse sentimento, apagar-se-ão as luzes, vou me recolher aos meus aposentos.

(este texto foi escrito em 2011, no momento estou me tratando com um psiquiatra e me sinto bem)